Será caso para se dizer: os gregos estão a ver-se gregos?
Como é que os gregos chegaram ao ponto a que chegou? A Grécia pediu empréstimos da ordem de 240 milhões de euros do FMI e da UE para salvar uma economia seriamente afectada pela crise económica internacional de 2008. Depois de seis anos de medidas de austeridade e uma severa recessão, o desemprego permanece alto (umas fontes apontam para aproximadamente 22,5%, outros chegam mesmo a dizer 25% da população activa), sendo que este índice chega a 50% entre os gregos de 25 a 35 anos. A criação de novos impostos complicou ainda mais a situação da classe média grega que, à semelhança do caso português, parece estar em vias de extinção.
E é neste cenário que, hoje, os gregos vão às urnas para uma eleição parlamentar que já se tornou, de acordo com alguns analistas, numa espécie de "referendo da austeridade", o que é curioso pois as mais recentes sondagens não dão uma vitória absoluta à coligação de esquerda. Embora, a julgar pelas pesquisas de opinião, uma parcela substancial dos gregos quer dar um basta às duras medidas económicas impostas ao país por organismos internacionais como o FMI e a UE, tudo indica que a frente não vai obter maioria absoluta das cadeiras do Parlamento grego.
A coligação de partidos e movimentos de esquerda que formam o Syriza, que vinha crescendo em popularidade graças a uma plataforma contrária ao programa de austeridade e que defende a renegociação do pacote negociado com o FMI e a UE. Apesar deste espírito anti-austeridade, e até um algo anti-europeísta, o Syriza afirma que não defende uma saída da UE ou mesmo que o país deixe de usar a moeda única, mas é difícil imaginar como todos estes ideais serão conciliados com os compromissos de ajuste assumidos desde que a Grécia foi resgatada pelo trio Troika.
É claro que as reacções exteriores já se fizeram notar (europeias e não só).
Embora Alexis Tsipras, líder do partido, reafirmou nos últimos dias a sua intenção de renegociar os termos da dívida grega e acabar com algumas medidas de austeridade, hipótese rejeitada por diversos líderes europeus, a reacção à perspectiva de vitória do Syriza ainda não está pressionando as grandes economias do bloco, mas os mercados já reagiram e, na passada segunda feira, os títulos da dívida grega caíram e o euro atingiu o seu nível mais baixo em 9 anos. Já no campo da política europeia, parece que alguns dos líderes não estão a ver a (possível) resposta democrática grega com bons olhos. De acordo com a Der Spiegel, o governo da Angela Merkel vê a saída da Grécia do euro como "inevitável", mas "administrável" caso se confirme a vitória do Syriza - uma declaração nem confirmada nem desmentida!
Porém, oficialmente, a Comissão Europeia mantém que a adesão ao euro é "irrevogável" (onde já ouvimos esta?) e a Alemanha diz que ainda pretende manter a moeda em todos os seus membros actuais - declarações em Janeiro de 2015 que guardam um eco desconfortável de 2011... Em teoria, pelo menos, fala-se de que a Grécia poderia ser pressionada a deixar o euro se o BCE decidir não comprar títulos da dívida grega como parte de de um programa de "afrouxamento quantitativo" (Quantitative Easing), sabendo que o próximo governo pensa em reestruturar a sua dívida. No entanto, no passado dia 23 Draghi decidiu lançar um plano alargado de aquisição de títulos quer públicos quer privados, embora ainda não esteja muito bem definido o como tal será feito. Também já foi divulgado, entretanto, que as eleições na Grécia não influenciaram a decisão do BCE, cujo programa estava pensado muito antes.
Por um lado , assim parece, a ideia é influenciar a decisão dos eleitores gregos, que não querem ver uma saída do euro, e ao mesmo tempo enviar um recado aos partidos "radicais" como o Podemos, da Espanha, que por sua vez também lidera nas sondagens.
No entanto, sabe-se por intermédio de uma notícia de 11 de Janeiro (ver nos links no fim da mensagem), a Comissão Europeia vai propor uma nova prorrogação até 6 meses do resgate à Grécia para evitar problemas de liquidez com o vencimento, a 28 de Fevereiro, da última ajuda europeia.
A mesma notícia relata que O Eurogrupo deverá reunir-se um dia depois das eleições, mas que "é pouco provável" que tome alguma decisão (resultado que tem sido mais que habitual destas reuniões na minha opinião..). O alto responsável da Comissão Europeia realçou ainda que o executivo comunitário, dirigido por Jean-Claude Juncker, prefere manter um "perfil baixo" sobre o possível resultado das eleições na Grécia para "não interferir" na campanha eleitoral. Além disso, considera "exageradas" as especulações sobre uma eventual saída da Grécia do euro em caso de vitória do partido Syriza. O líder do Syriza não se tem "cansado de repetir" que, em caso de vitória, o país continuará no euro e irá negocia com os credores europeus, salientou.
É impressão minha ou a EU não está muito preocupada com o resultado destas eleições? E por que motivos?
Mas se o Syriza causa preocupação fora da Grécia, a visão do eleitorado doméstico é bem diferente. O partido tem registado um valor de 28% a 35% da preferência do eleitorado, enquanto o principal concorrente e partido ainda no poder, a Nova Democracia, conta com um apoio que varia entre os 25% e os 30% (aproximadamente). Com base nestas estimativas a pergunta que se coloca é: Conseguirá o Syriza formar um governo? Tudo aponta para que, mesmo que vença as eleições, é improvável que o partido consiga a maioria absoluta das cadeiras, sendo assim formar uma coligação.
Gostaria de escrever sobre as possibilidades de um futuro governo grego, com ou sem coligação, e com quem, mas acabo de receber a notícia de uma sondagem à boca das urnas que aponta para a vitória do Syriza, embora seja incerto o cenário de maioria absoluta... razão pela qual interromperei a minha escrita por agora, enquanto aguardo mais e melhores resultados.
Pessoalmente tenho dúvidas de que a vitória do Syriza venha a mudar assim tanto o quadro europeu, sobretudo quanto à aplicação da política de austeridade. Quando oiço muitos apoiantes da esquerda a dizerem que estão maravilhados com a hipótese de uma coligação de esquerda "vencer a Troika", lembro-me sempre das esperanças depositadas em Hollande (embora este seja de uma esquerda mais moderada), que acabou por mudar praticamente nada na politica europeia de austeridade, uma vez que o próprio até aprovou um pacote de medidas de austeridade para a França, sem resultados positivos até ao momento (pelo contrário).
A direita, por cá, também parece não estar muito incomodada com este cenário, por vezes apresentando um discurso: "As eleições de hoje na Grécia são uma oportunidade, uma oportunidade de ver como se comporta a "esquerda caviar" à frente do governo, uma oportunidade de testar noutro país que não Portugal as consequências da eleição de um partido populista e, sobretudo, para o governo (de Passos) é a oportunidade de testar isto tudo antes das nossas legislativas. Correndo mal na Grécia, está pode ser a última oportunidade para o governo reverter o sentido que as sondagens têm vindo a demonstrar em Portugal."
Por mim, só peço que caso tudo isto corra mal, que Portugal não vá de arrasto, como tem vindo a acontecer imensas vezes. Mas, durante as minhas pesquisas e também através de algumas notícias que tenho vindo a ver, há coisas demasiado erradas na Grécia. Uma das que mais me chocou é o facto de que os desempregados (gregos) não poderem utilizar o respectivo sistema nacional de saúde.
É nestas medidas que se descobre a desumanidade que reina nas elites politicas e económicas e que me faz desejar que partidos como o Syriza e o Podemos ganhem... nem que seja só para "agitar as coisas". É verdade que sem fundos a grande maioria dos nossos direitos mais básicos deixam de poder existir, mas deveriam existir limites até que ponto estamos dispostos a suportar este tipo de medidas, que após todos estes anos têm vindo a demonstrar que pouco ou nenhum beneficio trouxeram aos países que as praticam.
Fontes que pode e deve consultar:
Artigo do JN: jn.pt/opiniao
Artigo na Exame: exame.abril.com.br/
Artigo da BBC (em Português): bbc.co.uk/portuguese
As contas furadas a Grécia, artigo do Observador: observador.pt/contasfuradasdagrecia
Esperança no Syriza, também do Observador: observador.pt/opiniao/resperancanosyriza/
Notícia do Sapo, sobre a CE: sapo.pt/noticias/comissao-europeia
Sobre o programa de compra de dívida do BCE: observador.pt/programadecompradedividasoberana
"A Grécia vai levantar-se e dizer à Europa: Não somos vossos escravos":
expresso.sapo.pt/agreciavailevantarse
À boca da urnas, Renascença: rr.sapo.pt/informacao
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