sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Afinal somos todos pecadores ... uma "leve" provocação...

Deparei-me hoje com uma notícia, partilhada por uma amiga minha, que me despertou a atenção. O artigo, referente à opinião do Papa sobre a relação entre liberdade de expressão e fé, é intitulado da seguinte forma:

Francisco chegou ontem às Filipinas, o único país asiático de maioria católica, depois de uma deslocação ao Sri-Lanka, de maioria budista.

"Papa diz que liberdade de expressão não permite "insultos à fé dos outros""

... bom, a meu ver podia ser bem mais simples:

"Liberdade de expressão não permite insultos aos outros"

... mais simplista e respeitador do próximo, não vos parece? Mas, a meu ver, o que me deixou mais a pensar foi a seguinte declaração: "Não podemos provocar, não podemos insultar a fé dos outros, não podemos ridicularizá-la", disse o Papa Francisco aos jornalistas a bordo do avião que o levou de Colombo para Manila, quando questionado sobre as caricaturas do Charlie Hebdo.

É verdade que alguns dos cartoons do Charlie Hebdo eram de facto muito provocantes, e até direi ofensivos, para os crentes das religiões satirizadas, mas a meu ver a pior que já vi nem era contra o islamismo (e muito menos contra a figura de Maomé) mas sim contra o cristianismo e, em particular, contra a representação da santíssima trindade e, se bem me lembro, não vi ou ouvi declaração nenhuma da Al-Qaeda ou do Estado Islâmico (serão eles "os outros"?) contra a seguinte capa:


E aparentemente nenhum fundamentalista cristão ameaçou os desenhadores do Charlie por causa da publicação desta capa, nem a vigilância policial foi reforçada para responder a uma eventual retaliação cristã.

Mas o que deixou a pensar foi a parte do "Não podemos provocar" ... o que é "provocar"? Será o simples acto de dizer: "desculpa mas não estou de acordo contigo" já uma provocação? Talvez mais importante seja saber o que é a fé (ou uma fé), antes de sabermos se estamos a provocar aqueles que nela acreditam....

Sendo, de acordo com uma definição um algo simplista talvez, a fé a firme opinião de que algo é verdade, sem qualquer tipo de prova ou critério objectivo de verificação, pela absoluta confiança que depositamos nessa mesma ideia (ou fonte de transmissão), vemos como uma fé, sendo uma opinião, que por sua vez se trata de uma ideia (ou um valor) que pode ser contrária à verdade,  Estão a dizer-me que não posso sequer "provocar" sobre uma opinião que de si não necessita de validação prévia?

Existirão diferentes formas de provocar, ou níveis de provocação? E se forem "os outros" a provocarem-me primeiro? Já posso? Talvez o próximo parágrafo, do JN, seja mais esclarecedor:

"A liberdade de expressão deve "exercer-se sem ofender", disse, sublinhando que expressar-se era um "direito fundamental". "Todos têm não apenas a liberdade, o direito, como também a obrigação de dizer o que pensam para ajudar o bem comum. É legítimo usar esta liberdade, mas sem ofender", insistiu, pedindo verdade, principalmente na actividade política."

A parte do bem comum tem muito que se lhe diga (a inquisição, por exemplo, queimava hereges em defesa o bem comum da comunidade cristã) ... no entanto, correndo o risco de estar a provocar o Papa Francisco, por quem até tenho uma grande consideração, porque não "pedir verdade" da actividade religiosa? Poderia começar a falar dos casos de pedofilia que o Vaticano tem escondido ao longo dos anos, mas hoje estou mais interessado em reflectir o papel da crença islâmica nos países islâmicos, onde na maioria dos casos a religião é o estado.

Porque será que um desenho, satírico ou não, do profeta Maomé provocador ao ponto de originar manifestações de protesto e, em casos mais extremos, conduz a atentados contra quem os produziu?

"Tem alguma ideia do quanto ofensivo isso é?"

Porque se trata de um dos dogmas do islamismo, ou seja, são proibidas representações do profeta, sejam estas sob a forma de um desenho ou uma escultura, salvo as já existentes em livros sagrados, e mesmo algumas dessas revelam um pormenor interessante:o profeta é muitas vezes representado de cara vendada.


Na primeira imagem: Maomé nos braços da mãe, Amina, em miniatura turca, ambos com o rosto vendado; Já a segunda trata-se de uma gravura otomana retratando o momento da revelação pelo anjo Gabriel do Alcorão para o profeta; E na terceira vemos Maomé orando na Caaba, numa gravura otomana, uma vez mais o seu rosto está vendado, algo comum na arte islâmica da época.

Mas, o que acontece quando os muçulmanos não respeitam também os símbolos/ideais das outras religiões e/ou culturas?


E atrevo-me até a perguntar e o que acha Francisco que deve acontecer caso alguém insulte a nossa fé. Ganhamos automaticamente o direito de romper o limite da liberdade do outro e tornar a coisa "mais física"? Felizmente o "Papa Chico" antecipou-se a mim:

"Francisco condenou também os assassínios cometidos em nome da religião: "Não podemos ofender, ou fazer guerra, ou matar em nome da própria religião, em nome de Deus", afirmou. Matar em nome de Deus "é uma aberração" e "é preciso ter fé com liberdade, sem ofender, sem impor, nem matar"."

E para quem se lembrar imediatamente do historial da própria igreja católica, nomeadamente sobre as cruzadas e a inquisição, como eu enquanto lia esta parte do artigo:

"O que se passa actualmente (com os atentados islamitas) choca-nos, mas pensemos na nossa Igreja: quantas guerras religiosas tivemos, pensemos na noite de São Bartolomeu (massacre desencadeado pelos católicos contra os protestantes franceses e que marcou o início, no século XVII, das guerras religiosas). Também fomos pecadores, lembrou."

No geral não achei que Francisco tenha estado mal, ou que não tenha (pelo menos alguma) razão naquilo que disse. No entanto, creio que poderia ter abordado um pouco melhor a parte da "provocação", pois não me parece que não exista um bom conceito de liberdade, mas sim se esta tem ou não limitações, e se sim quais.

Links para a notícia original:

No Jornal de Notícias: www.jn.pt
Na Visão (online): visao.sapo.pt/papa-liberdade-de-expressao

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