sexta-feira, 15 de maio de 2015

Islândia pondera tirar aos bancos o poder de criar dinheiro...

Esta notícia tem pelo menos um mês mas ninguém ouviu falar disto pois não? Num ambiente mediático ditado pela greve da TAP e pela (pré)campanha eleitoral eis que se prepara mais uma alteração no sistema financeiro da Islândia... esse país europeu do qual quase nunca se fala...

Penalizados pela crise de 2008, os islandeses querem acabar com a criação e rebentamento de bolhas no sistema financeiro. Nem que isso signifique acabar com o sector bancário tal como ele hoje existe.

Parem o "Casino Financeiro"...

A Islândia foi um dos países que mais sofreu com o facto de ter deixado o seu sector bancário crescer descontroladamente. Por isso, não surpreende que agora seja nesta ilha de 300 mil habitantes conhecida por não ter medo de inovar que se esteja a ponderar a reforma mais radical do sistema financeiro. Uma reforma que foi apresentada por uma comissão parlamentar a pedido do primeiro-ministro islandês e que retiraria aos bancos o poder de criar dinheiro, fazendo-os recuar para um tipo de funcionamento que já não conhecem desde o século XIX.

A primeira coisa que é preciso perceber para compreender o alcance daquilo que está a ser ponderado na Islândia é que os bancos comerciais, e não somente os bancos centrais, têm desde o final do século XIX o poder de criar mais ou menos dinheiro. É verdade que são os bancos centrais que emitem as notas e as moedas. Mas, os bancos comerciais, quando decidem fazer um empréstimo a uma empresa para esta investir ou quando financiam alguém a comprar uma casa, fazem na prática com que mais dinheiro entre em circulação na economia.

Os bancos centrais têm a capacidade, com a definição de taxas de juro ou com as exigências de rácios que fazem aos bancos, de influenciar a forma de actuar das instituições financeiras. No entanto, o relatório encomendado pelo primeiro-ministro islandês Sigmundur Gunnlaugsson e apresentado no final de Março por Frosti Sigurjonsonn, um deputado da maioria governamental, diz que isso não chega. E que desta maneira, quando chega uma crise e muitos empréstimos começam a não ser devolvidos aos bancos, corre-se o sério risco de não haver nos bancos dinheiro suficiente para fazer face às poupanças feitas pela população.

Os islandeses conhecem bem este risco. Desde 1875, o país já passou por 20 crises financeiras de diferentes tipos, diz o relatório. E a última aconteceu em 2008. Nas década anterior, depois de se ter reduzido fortemente o nível de regulação, o sistema financeiro islandês ganhou uma dimensão muito superior à da economia e a massa monetária em circulação multiplicou-se a um ritmo raramente visto. Assim que a crise financeira internacional chegou aos bancos islandeses, todo o sistema colapsou, com fortes custos para a população.

Aproximadamente 6000 manifestantes protestam em frente do Alþingishús, o parlamento islandês, em 15 de Novembro de 2008...

Para evitar isto, o que Frosti Sigurjonsonn propõe é aquilo a que chama de sistema financeiro “soberano”, em que o banco central ficaria de facto com a totalidade do poder de definir, a cada momento, quanto dinheiro é que é posto em circulação. Um banco comercial, quando decidisse conceder um empréstimo, teria necessariamente de retirar o dinheiro de uma conta criada para o efeito. Desta forma, em vez de se assistir a uma multiplicação do dinheiro, o que aconteceria é que o montante que o banco central deixaria circular passaria apenas a ser transferido de um lado para o outro. “O poder de criar dinheiro mantém-se separado do poder de decidir como é que o novo dinheiro é usado”, afirma o relatório, que defende que isto conduziria também a que os bancos tivessem muito mais cuidado em escolher os projectos e investimentos em que quereriam participar.

A questão da dimensão do sector bancário – que atingiu níveis astronómicos na Islândia mas que também cresceu muito na generalidade dos outros países – voltou a estar em cima da mesa depois da crise financeira internacional. Mas na realidade poucas medidas foram entretanto tomadas para alterar a situação.

Agora já sabem de onde vem a expressão "Fundos Congelados"...

Já nos anos 30 do século passado, depois da Grande Depressão, um grupo de economistas norte-americanos liderado por Irving Fisher tinha feito a mesma proposta de passar para o Estado todo o poder de criar dinheiro. No ano passado, o colunista do Financial Times, Martin Wolff tinha defendido o mesmo tipo de estratégia, acrescentando que tal daria ainda aos Estados uma enorme fonte de receitas, que lhes daria espaço de manobra para reduzir a carga fiscal.

Entre os mais críticos, contudo, é assinalado que o regresso a um sistema em que o sector público decidisse exactamente e a todo o momento quanto dinheiro é que é preciso criar não reduziria o risco de excessos. Pelo contrário, dizem, os Governos poderiam ter ainda uma maior tentação para continuar a injectar dinheiro para que as economias crescessem mais.

O debate teórico em relação a esta matéria promete ser cada vez mais animado depois do aparecimento desta proposta. Mas como em muitos outros casos, dificilmente conduzirá a uma conclusão definitiva. Será que a Islândia e os seus 300 mil habitantes estão dispostos a passar esta ideia à prática e servir de experiência viva para os outros países?


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